Sobre brincadeiras, pegadinhas e comentários idiotas que
fazemos...
Não, a vida não é pra ser só retidão, seriedade,
chibata... Mas deveríamos, e muito, rever as piadinhas, pegadinhas e
comentários que muitas vezes fazemos "só de brincadeira".
Palavras e ações têm força, duração e alcance muito
maiores e amplos do que imagina nossa cabeça que teimamos em usar levianamente!
Cada um enfrenta suas batalhas, medos e dramas internos e
essas "brincadeirinhas" não raro pegam mal.
Isso serve para o lidar com nossos filhos, outras
crianças e até com outros adultos também. #ficaadica
"Acabei de ver o vídeo de uma brincadeira sem graça
com uma criança...
Algo que seria uma coisa boba com um adolescente, mas com
uma criança é pura estupidez. Filmar e colocar na Internet eu acho que é crime.
Aliás, existem muitas "pegadinhas" que são
apenas crueldade e violência, mas a gente se deixa seduzir pelas gargalhadas
fáceis...
Humilhar os outros em troca de alguns instantes de
risada...
Mas... eu um dia passei por isso. Achei que poderia ser
engraçado, que poderia render boas risadas, mas estava enganado. Fiz uma
brincadeira tola e desnecessária com meu filho Lucas, que não tinha mais que 5
anos, e recebi dele a pior das respostas...
"Com um gesto rápido e inesperado, empurrei Lucas
para dentro da piscina. Seu corpo minguado de criança fez tchibum na água
azulada e, como a piscina era rasa, ele logo voltou à tona, esfregando o rosto.
Olhei para ele e dei uma sonora gargalhada. “Ra, ra, ra, ra, seu bobão”, disse
eu.
Recuperado do susto inicial, Lucas manteve-se sério. Não
parecia ter gostado da brincadeira. Dei mais uma risada histriônica, forçando a
barra. Ele continuou sem sorrir. Fez uma face chorosa e disse:
— Você não podia fazer isso.
— Ora, Luquinhas, foi só uma brincadeira. Desculpa. Eu
estava só querendo brincar com você. Não queria machucar, nem assustar.
Desculpa, tá?
Ele continuou em silêncio. Com a cabeça baixa, caminhou
em direção ao vestiário, mas sem segurar minha mão.
— Ô cara. Não fica triste. Era brincadeira, vai.
— Você não podia fazer isso comigo — insistiu ele.
— Por quê, Lucas? — perguntei.
Lucas me encarou nos olhos de uma maneira que eu jamais
esquecerei. Disse com uma entonação de quem parecia ter 30 anos de idade.
Olhou-me como se fosse eu a criança, e me deu a mais dramática das respostas:
— Porque você... é meu pai.""
"Por outro lado a resposta do meu filho me fez
despertar de uma espécie de letargia adolescente, uma penumbra renitente, a
nostalgia de uma infância que se esvaia pelos dedos, mas que meu punho cerrado
insistia em segurar, como a areia que fica entre os dedos quando o sol se põe e
temos que sair da praia e voltar para casa.
Desperto de um longo sono infantil despertei naquele
momento para o mundo da paternidade.
"A frase de Lucas na piscina matou um menino. Caído
ao solo, no pequeno passeio de pedras que levava ao vestiário, nunca mais se
ergueu. Existe apenas em sonhos, lembranças e no gérmen infantil que todos
carregamos. Mas sua existência concreta acabara ali. Morto, sem vida. Mas
incrivelmente nem os salva-vidas da piscina se interessaram por recuperá-lo.
Melhor que ficasse, enfim, ali onde estava.
Segurei Lucas com minha nova mão. Olhei nos seus olhos,
pedindo que tivesse paciência. Meu olhar se encheu de vergonha. Olhei para meu
corpo de menino ao lado e me despedi dele. Encarei mais uma vez Lucas, eu
menino, e lhe pedi perdão. Meu pedido, desta vez, vinha com outra voz. Talvez
ele pudesse entender."
(Entre as Orelhas, capítulo "Paternidade")
Nenhum comentário:
Postar um comentário