segunda-feira, agosto 22, 2011

A Árvore da Vida

(Sexta passada fomos ver o filme "A Árvora da Vida". Quando postei no Facebook que ia assistir esse filme, surgiram comentários bem diferentes.
Acabei motivada a escrever o LONGO texto abaixo.
Leia se tiver paciência!
)

Eis um filme que fui assistir sem saber o que esperar. O nome me remetia a várias coisas, desde a capa de um livro de Zoologia que usei na faculdade, até as aulas do curso de Introdução à Cabala que fiz faz alguns anos. Achei lindo o cartaz de divulgação que vi no cinema faz algumas semanas, Brad Pitt e Sean Penn no elenco, a crítica de uma amiga que achou péssimo e o pedido de opinião pós-filme de outra amiga, ansiosa, que planeja ver o filme neste final de semana. Enfim, tudo para ser muito bom, ou muito ruim.
O filme começa com um provérbio de Jó que pergunta onde estávamos quando as belezas do mundo foram criadas, fala do irmão, da mãe e do pai. Logo depois me cativa com cenas de campo onde uma menina ruiva, brincando com animais, conta que as freiras a ensinaram que existem dois caminhos na vida: o da graça e o da natureza. No primeiro o amor, o perdão e a esperança levam a felicidade. No segundo, a natureza rainha força a tudo e a todos a serem como ela deseja, imperiosa; enquanto o mundo resplandece em amor, quem segue nesse caminho mantem-se cego na busca de controle, em vão.
Ela cresce e vemos sua família: um marido, três filhos e uma casa aconchegante num bairro tranquilo dos EUA. O marido aparentemente é bem sucedido, o lar parece feliz, os meninos brincam numa árvore no quintal. A felicidade é interrompida por uma carta (ou seria resultado de um exame?) recebida pela mãe. Ela chora, desequilibrada, liga para o marido, que no trabalho recebe a notícia com pesar. Logo entendemos que um dos filhos virá a falecer.
A perfeição do lar se vê abalada pelo ocorrido. O pai questiona-se sobre a maneira como tratava o filho falecido, o irmão mais velho sente falta do menor que até pouco tempo era o favorito da casa e lhe causava raiva, a mãe questiona Deus, tudo que eles fizeram de correto, e a justiça da vida.
Ela sofre, o marido não sabe como aplacar a dor da esposa... O que sente uma mãe numa hora dessas? Como alguém pode ajuda-la? As cenas dos amigos e familiares que tentam apoiá-la são lamentáveis quando percebemos que palavra nenhuma ajuda nessa hora. Eu sempre preferi o silencio.
Ela não se conforma, não há resignação.
Contração de cena, expansão. Um casal adulto está no quarto, um quarto de outro tempo - atual. A casa é enorme, perfeita, moderna. Sem dúvida são ambos executivos bem sucedidos. Ela com um olhar triste, ele com um olhar distante, a agonia é nítida e a ordem mantida sob o silencio tem um limite tênue que a leva ao caos.
Em uma grande empresa o homem tem uma série de reuniões, agoniado não se concentra em nada. Sua mente vaga pela infância, nas lembranças dos irmãos, da mãe. Distrai-se olhando as mulheres da empresa, fala ao celular com o pai. Pede desculpas pela maneira com a qual falou com ele, por ter sido ríspido quando não devia. Seu coração não lhe dá trégua, a consciência menos ainda.
Acendem uma vela.
Daí por diante o filme muda de caminho e creio que é nessa hora que a maior parte da plateia se perde. Dos questionamentos da mulher sobre Deus, conforme ela lança perguntas ao céu, as imagens vão mudando do foco no cotidiano humano, à natureza, da natureza ao espaço, do espaço ao infinito, do micro, para o macro. Aqui meus amigos geólogos e biólogos logo devem entender onde vamos parar – no surgimento do universo, na concentração de tudo, na contração da matéria e na grande explosão que deu origem ao universo. Formação da galáxia, dos planetas, explosões solares, a Terra inóspita, lava de vulcões. Resfriamento da Terra, formação de água, cianofíceas, oxigênio, vida em pequena escala, algas, mitocôndrias passando a viver dentro de uma célula, formação de DNA, os primeiros seres moles, peixes, repteis. A Terra habitável, com rica vegetação. Do espaço vêm os meteoros que caem sob a Terra, enchem tudo de poeira, revoltam as águas. Tudo regado à música clássica (aliás, a trilha sonora do filme é perfeita!).
Voltamos à história da família – o homem se pergunta quando foi que ele passou a sentir o mundo através dela e a cena é de quando se conheceram, ainda jovens, no namoro, casamento, primeira gravidez, trabalho, viagem, parto. A mãe cuidando do primeiro bebê, dedicação total. Uma vida feliz. O primeiro filho cresce saudável, com amor e atenção. As brincadeiras, o primeiro passo, primeiras palavras, perguntas. Segunda gravidez, parto, a revolta do primeiro filho com ciúmes do segundo. A mãe tentando acalmar e agradar a todos. Terceira gravidez, mais um filho. O mundo já não é mais tão romântico e perfeito, o pai tenta a força e impacientemente, por o bebê pra dormir, ele chora. A mulher cuida da casa.
Os meninos crescem, ora em ambiente feliz e perfeito, ora em meio a brigas e cobranças de um pai exigente e crítico. Enquanto a mãe é doce, ingênua e carinhosa, o pai é áspero, forte, racional, cheio de verdades, de regras e tenta ensinar os filhos a viver em um mundo cruel. Mal sabe que é ele mesmo a primeira fonte da maldade para os filhos.
Crescendo os meninos se deparam com a violência da vida, com as injustiças, as diferenças e as indiferenças diante do que jamais poderia deixar de ser notado. Morte. Turbilhão de sentimentos. Aquilo que não pode ser dito, perguntado ou discutido.
Do carinho da mãe para os filhos, do seu silencio diante das atitudes violentas do pai crítico, do medo das crianças, dos sentimentos ainda confusos em seus corações, ao dia-a-dia que passa sem que se dê razão ao que importa, sem que se viva quem se ama, até a análise de contraponto entre carinho, autoridade e respeito, e medo e coação, até os conflitos de um casamento, os conflitos que passam na mente de um jovem que entra na adolescência. Da insegurança de um irmão que vê e sente o outro irmão como preferido, perfeito e amado em detrimento a ele mesmo, do medo de não ser aceito pelos pais, do medo de não ser bom pra vida, até a cobiça de uma menina, o fascínio e a curiosidade pelo proibido, o efeito de grupo nos jovens, até a necessidade que temos de afirmarmo-nos... O filme passeia em tudo que pode haver na vida de alguém.
Vemos um homem que na pressão e na urgência de ser querido, amado por sentir-se e ser necessário, importante, afoga-se na distancia, na frieza, nas cobranças, no controle, abuso e violência, no desamor. Que sabe tudo do mundo, orgulha-se de ter a patente de 27 produtos diferentes, mas no entanto queria ter sido músico e tem que perguntar ao filho se ele o ama, porque espontaneamente não ouviria declaração alguma, pede beijo e abraça sem ser abraçado. Vemos esse mesmo homem se tornar humano, reconhecidamente falho, pedir perdão ao filho por talvez haver sido rígido demais, reconhecer que não se orgulha disso e colocar-se de igual para igual com o filho quando este assume-se mais parecido com ele do que com a mãe, contando ao pai que tem tudo de ruim que ele mesmo tem. (É nas fraquezas, nos defeitos e erros que nos tornamos mais e mais semelhantes.)
O executivo de sucesso, agoniado, que vim a notar ser o irmão mais velho, igual ao pai, passeia num deserto, busca o irmão menor falecido em suas memórias. Segue uma mulher buscando a própria mãe também, chega à beira do mar, raso e tranquilo onde muitas pessoas desconhecidas caminham. Andam, andam, andam. Aos poucos vemos contornos de entes queridos. Irmão, pai, mãe. Anjos envolvem a mulher. Eles se encontram como família, nota-se o alívio e a calma em seus olhares, o reconhecimento das histórias vividas, o alento das memórias compartilhadas, a felicidade de vê-los todos sãos, juntos. A mãe abraça cada um dos filhos. Beija seu marido, vê nele o sorriso de quando ainda eram felizes. Unidos, sentem-se plenos uma vez mais. Voltam os anjos a cuidar da mãe, depois da longa caminhada, ela enfim, resignada, de volta ao caminho da graça e leve, entrega à Deus seu filho.
Céu. Deus. Universo. Contração de cena, cenário negro, uma chama ao fundo.

FIM.


Eu não pretendia descrever o filme, acabar com a surpresa de ninguém, mas acho que era a melhor maneira de dizer como este filme diz muito. É uma maneira diferente de falar sobre a vida, de analisar o que fazemos dela, como a escolhemos viver. De onde viemos, pra onde vamos. O que é Deus, se há um Deus, que papel está destinado para cada um de nós?
Acho que mesmo lendo este texto você que for o ver o filme o verá e sentirá diferente.
Talvez, como alguns na sessão que assisti, você dê gargalhada no final. Talvez agradeça porque acabou, talvez, na verdade, saia antes do fim. Talvez você não entenda nada e goste apenas da fotografia e da trilha sonora. Talvez você entenda tudo diferente, talvez os detalhes importantes para você sejam outros. O bom de um filme assim é que cada um pode entender como quiser e não correr o risco de estar errado.

Para mim foi uma aula. Foi um despertar diferente de percepção. Uma descoberta.

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